sexta-feira

sobre um momento

Nunca lhe dera motivo pra amá-lo.
Nunca lhe dera motivo pra que se sentisse mulher.

Só motivo pra ironias e sorrisos despedaçados.
Nem motivos pra que sentisse pena disso lhe dera.

Fim.

terça-feira

Sobre um certo sorriso

Sempre que lembrava de quando olhava aquele sorriso por trás dos óculos sentia pena.
Sentia pena dos dois.

De si por acreditar que tal sorriso lhe daria motivos pra tudo aquilo que pensava, sentia, pra forma como agia. Sentia pena de si porque confiara fielmente que aqueles óculos, aquela máscara, aquele sorriso, lhe traria alguma resposta pra toda aquela vontade. Resposta, verbal, resposta física, emocional, qualquer coisa.
Pena dele, que não teve ou não quis ter a capacidade de admitir qualquer coisa. Qualquer coisinha boba, qualquer coisa simples, pr'os dois. Qualquer uma. Pena porque aqueles óculos escondiam seu rosto todo, seu todo.
Que carapaça dura inquebrantável, pensava, já que sempre pulsou através dos outros, e sempre entendera, decifrara, devorara impiedosamente.
Quanta dó, quanta raiva, quanto asco.
O asco que vinha pelas narinas e lhe subiam os pêlos quando lembrava do sorriso doce e misterioso de quer-não-quer. O asco que jamais a permitiu pensar no outro com carinho sem que junto viesse o aborrecimento pelo que lhe passou.

Depois de tanto tempo pensando na mesma coisa agradecia, pelo menos, que pudera ter alguma lição daquilo tudo, daquela qualquer-coisa toda. Afinal, de tudo se tira uma lição.
Lições sábias raras são quando não dolorosas.
E a dor permitiu ultrapassar aquilo tudo, aquela insatisfação, aquela neurose de sorriso maldito.

Hoje não é mais dor.
Hoje é música e cor e vento e vida. E tudo isso também tem sua dor.
Mas o que não tem?